O frio também não deixava espaço para muitos outros pensamentos. Ela concentrava todas as suas energias em imaginar a temperatura daquela noite, só que ao contrário: 29 graus positivos, 29 graus positivos, calor, suor, praia. Era como um mantra. Imaginava uma praia de areia fervilhante com palmeiras por todo canto. Mas bastava que abrisse os olhos e contemplasse a imensidão de neve à sua frente para que se esquecesse completamente do calor e do sol. A rua, a calçada, a grama, tudo era um só, um todo único e branco, muito branco, profundo, limpo, novo, macio. Gelado. No lugar de palmeiras, pinheiros. No lugar de barracas de praia, tímidas casinhas brancas e beges, coladas umas às outras, como que tentando se esquentar. Nem o concreto aguentava o frio, mas ainda assim ela esperava, por algum sinal, um qualquer coisa que surgiria do meio da tempestade.
Aos poucos foi tomando forma. Uma figura esguia e negra, bem ao longe, quase imperceptível no meio da nevasca. Foi ficando cada vez mais nítida à medida que se aproximava, caminhando a passos confiantes e deixando suas pegadas sobre a neve fofa. Ela reconheceu a figura, e pôde então se lembrar do que esperava. Quando ele subiu as escadas da varanda, ela sentiu seu rosto se degelando aos poucos, fazendo surgir um sorriso. Ele trazia outro sobre os lábios e um pacote nas mãos enluvadas.
"Pensei que tivesse esquecido", ela disse, tomando o pacote nas mãos.
"Mesmo com toda essa neve, não esqueceria de um pedido tão importante. Abre."
Ela abriu o envelope pardo e de dentro saíram resquícios de sol, céu azul, palmeiras e areia quente. Retratos de um verão inapagável, mesmo que tão distante.
"Feliz verão", ele disse.
Eles sorriram com a lembrança e o inverno pareceu derreter.
Um comentário:
Adorei!!!
Muito bom!!!
bjs
MLL
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