quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Resenha: Jane Eyre, Charlotte Brontë

Faz bastante tempo que eu queria ler Jane Eyre, mas ficava sempre adiando. Acho que foi depois de ver uma adaptação pro cinema antiga, em preto e branco, no Telecine Cult, que repetiu umas três vezes num mesmo fim de semana, que resolvi que queria ler. Em 2010 comprei os romances mais famosos das irmãs Brontë, O Morro dos Ventos Uivantes e Jane Eyre, e li o livro de Emily primeiro, o que certamente me impediu de ler o de Charlotte em seguida. Não que eu não tenha gostado da saga familiar sombria e do amor bizarro de Heathcliff e Cathy, mas achei que a história era sobrenatural demais, sombria demais, deprimente demais. Mesmo sabendo que as duas irmãs não escreviam igual, e já tendo conhecimento prévio do romance de Charlotte, passei a evitar o livro. Mas agora que estou na terra da autora, finalmente tomei coragem e li Jane Eyre.

A Introdução da minha edição, escrita por Erica Jong, já me deixou animada. O livro foi altamente criticado em sua época, mesmo tendo se tornado um sucesso instantâneo. A crítica principal é quanto a Charlotte ter feito "um personagem sem valor tornar-se interessante aos olhos de um leitor"*, e também ao pecado que Jane Eyre ostenta ao longo do livro - excesso  de orgulho - e ao romance ilegítimo que dá sustentação à trama - entre uma governanta e seu patrão. Ao longo do texto de Jong, percebi que Jane Eyre não era uma heroína como as outras, e isso ficou ainda mais claro nas primeiras linhas do livro.

Jane Eyre é uma menina órfã, filha de um pastor e uma mulher de família abastada que foi deserdada por ter se casado (por amor) com um homem abaixo de sua posição. Os pais de Jane morreram quando ela ainda era bebê e ela foi levada para os cuidados da família de seu tio, irmão da mãe. Com a morte do tio, Jane é criada pela esposa dele, que a odeia, junto com seus três primos, a quem ela odeia.

A narrativa é em primeira pessoa, o que aproxima a personagem do leitor (com quem ela conversa em certas passagens), tornando seus pensamentos e sentimentos ainda mais interessantes. Aos dez anos de idade, Jane Eyre é uma criança considerada rebelde, indisciplinada e selvagem; porque é uma criança com  forte senso de justiça, que conhece o certo e o errado, que não tolera hipocrisia e abomina a ideia de gostar de quem lhe trata mal, o que escandaliza sua tia e os criados de Gateshead Hall, onde vive encarcerada. Por mais que lhe digam que ela deve ser grata à tia que lhe dá comida, um teto e roupas, ela não se sente na obrigação de demonstrar obediência e submissão à quem não lhe trata com carinho ou respeito. Pensamentos absurdos para o século XIX, especialmente para uma criança; mas há loucura nisso? Jane me ganhou ali.

Acompanhamos Jane deixar a casa da tia e viver os horrores de um colégio interno comandando por um clérigo cruel e mão fechada e então se tornar governanta da protegida do Sr. Rochester em Thornfield Hall. E vemos como a admiração pelo Sr. Rochester se transforma em amor, e a maneira como Jane, uma mulher extremamente prática e ciente de seus atributos - nenhum, ela diz, porque não tem beleza nem riqueza - e de seus deveres, lida com esta paixão, com o amor correspondido de seu mestre, e com as consequências e impedimentos desse romance.

Algo que é lembrado constantemente ao longo do livro é o fato de Jane não ser bonita. Os criados de Gateshead, seus colegas de escola, os criados de Thornfield Hall, e o tempo todo, ela mesma. Mas o que torna Jane atraente aos olhos do Sr. Rochester, e somente aos olhos dele, é justamente essa característica - aliada à sua personalidade provocante e dedicação ao seu trabalho. O Sr. Rochester também não é bonito, ou cheio das virtudes de um príncipe encantado. Ele é generoso, mas é ríspido; é inteligente, mas esnobe; é apaixonado, mas agressivo. É um homem cheio de defeitos e qualidades; mais defeitos ainda, como descobrimos ao longo do livro. 

E Jane não se deixa cegar por estes defeitos. Ela não idealiza seu amado. Ela o ama porque reconhece nele um igual; porque ela é boa, mas por muito tempo alimentou pensamentos vingativos contra a tia; é trabalhadora, mas inexperiente; não é bela, não tem família, não tem dinheiro: mas tem orgulho de sobra para não deixá-la submeter-se à situações que não lhe agradam apenas por coneniência. Jane foge das tentações e dos pecados que lhe são oferecidos, mas não se conforma com uma vida de dedicação a Deus. Jane Eyre acredita nas leis dos homens e as leis de Deus, mas só obedece ao seu coração e a ninguém mais.

Não quero dar mais detalhes da história pra não estragar as muitas surpresas que o livro oferece. O que posso dizer é que Thonrfield Hall não é o último lugar por onde Jane passa em sua trajetória e que por mais que ela ame Edward Rochester, ela não aceita ficar com ele nos termos que ele estabelece. O casal só consegue ficar junto quando todas as barreiras que se opõem à união são derrubadas; só quando Jane e Edward estão em situação de igualdade (e você vai descobrir como é possível essa igualdade entre um homem e uma mulher no século XIX) é que conseguem ficar juntos.

Mais do que contar uma história de amor (porque o romance é só uma pequena parte da vida de Jane, como é da vida de qualquer pessoa), o livro narra a trajetória de uma mulher sem privilégios ou conexões que busca acima de tudo independência e liberdade numa sociedade patriarcal. Um modelo de mulher em quem se inspirar, melhor do que qualquer princesa de conto de fadas.

*Edição que eu li, da Signet Classics com introdução de Erica Jong e posfácio de Marcelle Clemens, também muito bom.


Um comentário:

lansucci disse...

Olá Luiza. Sou fascinada pela literatura de época, do tipo de Jane Eyre, O Morro dos Ventos Uivantes, e os livros de Jane Austen que são meus preferidos.
Você pode me dizer se leu em português? É uma boa versão? Obrigada pela resposta.
Ótima esta resenha.
lansucci.62@gmail.com
Lan Succi