quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sonho ruim

Ela estava na sala, consumida pela agonia. Os sentimentos não cabiam mais dentro de si. Uma ânsia de gritar e botar tudo pra fora; de correr sem ter rumo; de estar ali, mas com ele. Enlouquecia-a cada minuto que passava longe dele. Precisava fazer alguma coisa. A espera a consumia. Precisava fazer alguma coisa. Correu para a porta e a abriu de súbito.

- Por favor, não vai! Esquece tudo o que eu falei! Volta!

Ele estava ali, parado. Do jeito que ela o deixara quando fechara a porta na cara dele pouco antes.

- Eu nunca fui.

Abraçaram-se e beijaram-se desesperadamente, e logo não podia-se saber quem era um quem era outro.

Na manhã seguinte ela acordou na cama, nos braços dele. Ele já a fitava.

- O que aconteceu?

- Foi só um sonho ruim.

E voltaram a só ter sonhos bons.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Demais

Quando tudo parece
lindo demais,
perfeito demais,
romântico demais,
maravilhoso demais;
E você se sente
feliz demais,
feliz demais,
feliz demais...

Na realidade...
... é sonho demais.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Espera [2]

Esse tempo que não passa; parece morto.

Esses dias que se arrastam, como lesmas.

Essas tardes longas de verão...

Nesses momentos preguiçosos,
gosto de me imaginar deitada sobre um chão florido,
sob um céu tranquilo
e com uma brisa fresca soprando.

Me demoro num pensamento,
num sentimento;
uma alegria toma conta de mim.

E como esses dias que não passam,
vou alongando o quanto posso
essa felicidade que me faz inteira;

me deliciando com o perfume das flores antes que murchem;
apreciando o céu azul antes que escureça;
sentindo a brisa leve antes que cesse.

Nessas tardes preguiçosas,
que não dá vontade de fazer nada,
só de ficar sonhando;

é quando penso em você.

[e fico esperando pela chuva,
quando sei que vou te ver outra vez.]

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sapos


Começa devagar. Você quase não nota. Uma palavra incômoda ali - mas você fica quieto, não é nada. E engole o seu primeiro sapo.

O tempo vai passando e você vai se acostumando com o pequeno infortúnio. As palavras machucam, mas você empurra esse sapo pra dentro da garganta com um sorriso no rosto. Não tem problema, é para um bem maior - a 'felicidade geral da nação'. Melhor deixar assim. Estamos todos bem, não é?

Mais tempo passa e você se pergunta quando é que isso vai parar. Será que realmente faz sentido engolir tantos sapos, de uma vez? Você já está acostumado, mas será que tem que ser assim pra vida toda? Você começa a ficar cansado, o gosto deles passando da sua garganta para o estômago não é agradável de maneira alguma - mas você continua engolindo, para manter a paz, a amizade, a união ou seja lá qual for o bem maior.

O tempo passa e você percebe que só engoliu e não falou nada. Não disse nada do que estava pensando, para não prejudicar, para não machucar. Manteve-se quieto durante todo esse tempo, só engolindo os sapos. Mas você está cansado, todos não tem o direito de expressar o que pensam, o que sentem? Você não quer mais engolir sapos - isso não está certo.

E então acontece; eles tentam te enfiar pela goela, à força, o maior dos sapos que você já viu em toda a sua vida. Eles estão certo de que você vai engolir; já está acostumado mesmo. Mas você surpreende. Mais um, não. Agora chega!

E como um vulcão que esteve há muito adormecido, você explode, soltando pela boca ao invés de lava, todos os sapos que andou englindo durante todo esse tempo. Todos ficam assustados. Os sapos parecem as pragas do Egito. Todos estão com medo. Ninguém imaginava que você fosse capaz de se revoltar. Ninguém esperava que você se revoltasse. O seu trabalho era engolir os sapos. Mas você se cansou disso. Tomou suas próprias decisões.

Seu estômago não está mais cheio de sapos, e ninguém mais te força a engoli-los. As pessoas agoram temem falar com você - não é medo de você; mas medo de que você não engula mais os sapos. E aí elas perdem todo o poder que tem sobre você.

E de repente, você está livre.

Chega de sapos. Sapos, nunca mais.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Um thriller qualquer...


Meia-noite, no estacionamento do shopping. Silêncio. Ninguém a vista. Só um carro parado junto a algumas árvores. Tudo escuro. Lá dentro, suspiros e arquejos. Uma música lenta tocando no rádio. Calças e blusas espalhadas. Nada no corpo, nada na cabeça. Um casal de apaixonados adolescentes inconseqüentes.

Folhas balançando lá fora. Que barulho foi esse?, pergunta a garota. Deve ser o vento, responde o garoto. Beijos e abraços. Mais um barulho. Mais perguntas. Não é nada...

Toc-toc. Susto e gritos! Uma sombra parada do lado de fora bate na janela. Uma alma condenada? Um zumbi sedento de sangue? Um lobisomem esfomeado? Pânico e terror se instalam no carro. Toc-toc. O garoto assustado dá a partida e saem zunindo pelo estacionamento. Ufa! Sumiu. Mais uns beijinhos? Não, melhor ir pra casa. Tem certeza? Tenho. Vamos embora. Então ta.

Uma sombra pára na frente do carro. AAAHHH!!! É o fim. Estamos perdidos! Qual o telefone da polícia? Ai meu Deus do Céu! Vamos morrer! Socorro!

Toc-toc. A sombra bate no vidro. O que fazer, o que fazer? A sombra se aproxima. Espera um pouco... Não é um zumbi! Ufa! Ufa... É um homem. Ele fala. Não escutam. Abaixam o vidro. Ele fala. O shopping fechou, vocês tem que ir embora. Ah... Obrigado. Desculpe. Sem problemas. Até logo.

Ufa! Ufa... Dirigindo, contornando os prédios de tijolinho do shopping... Mais uma sombra! Onde? Ali! Outro segurança... Não! Ah!! Toc-toc. Um homem grande, mancando, de barba comprida, bate no vidro. Medo, pavor... Calma. Não é nada. É só mais um segurança. Não é? Abaixam o vidro. A mão do homem invade o carro. Gritos. AAAHHH!

Pensamentos: Nós vamos morrer! Pai Nosso... Essas crianças de hoje...

O homem fala. Vocês esqueceram o ticket do estacionamento. Não vão conseguir passar pela cancela. Ah... Ah... Obrigado. Boa noite! Zuniram pelo asfalto novamente, assustados, aliviados, cansados. Por hoje chega!

Chegam na porta da casa dela. Finalmente, a salvo! Pára o carro. O rádio tocando. Ele olha ela olha ele. Sorrisos. Carinhos. Beijos, abraços, palavras sussurradas. Fome. Desejo. Ele: Me devora. Ela: Com prazer.

Na manhã seguinte encontraram o carro parado próximo a um canteiro, todo sujo de sangue por dentro, roupas esquecidas no assento do motorista. Nem sinal do dono do carro.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ali, comigo

Pensei ter visto seu rosto hoje. Estava andando pela rua e no meio da multidão de meio-dia do centro da cidade, eu o vi. E não pude deixar de me apaixonar novamente. Seus olhos me buscavam no meio de toda aquela gente e quando me encontraram vi seu sorriso iluminar aquela tarde cinzenta. Você estava exatamente do jeito que eu me lembrava, e eu não pude deixar de me apaixonar por você mais uma vez.

Enquanto eu via o seu rosto no meio de toda aquela confusão, não pude impedir as minhas memórias de vagarem até você. Lembrei dos nossos momentos, das nossas conversas, dos nossos passeios no parque, nos escondendo entre as árvores. E o seu rosto sorridente acompanhando cada uma dessas lembranças. Sorri, éramos felizes, tão felizes, tão cheios de vida! Tão cheios de vida...

Minha mãe me puxou pelo braço, perguntou o que estava acontecendo. Seu rosto sumiu. Ela perguntou se eu estava bem, se estava triste. Eu disse que tinha te visto. Ela não falou mais nada e quis me levar pra casa. Deixei-a fazendo suas compras e fui para o nosso lugar secreto.

Sentada na colina do parque, entre as árvores verdes, sob o céu de repente tão azul, uma brisa me tocou e senti o seu perfume. Deitei na grama fresquinha e senti o seu abraço. E de repente não era só o seu rosto que tinha vindo me visitar: você estava ali comigo, inteiro, como nas minhas lembranças. Sorri. Estava de novo feliz, tão feliz: cheia de vida. E você ali, comigo. Mesmo sem estar ali comigo.

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*Me inspirei na música “I thought I saw your face today”, da Zoey Deschanel (She&Him)

Espera

Toca, telefone. Toca. Toca, por favor.

Droga de celular que não toca. Será que ta fora de área? Não, ta com sinal. Por que ele não liga?

Ele disse que ia ligar. Ele disse que ia ligar essa semana. A semana já ta no meio e ele nada de ligar. Nem mensagem mandou. Nada de nada.

Por que ele fez isso? Aliás, por que eles fazem isso? É um ritual de tortura? É um teste?

Será que ele vai ligar mesmo? Ou toda essa espera não vai adiantar de nada? Eu estou me fazendo de boba esperando o telefone tocar?

Não vou ficar aqui sentada. Não vou mesmo. Vou sair, vou dançar, vou beber, vou me divertir. É isso. Essa é a saída. Nem vou levar o celular. Vou ligar pra Ju.

Ela ta doente, não pode sair. A Tati ta viajando. A Nat ta cuidando do irmão mais novo. A Lu ta no estágio. Malditas férias! Não tem ninguém pra sair comigo...

Não. Sem essa. Eu vou sair. Eu preciso sair. Não vou ficar em casa essa noite. Não posso ficar sozinha essa noite!

Vestido, maquiagem, sapato alto. To pronta, to linda! É hoje que eu encontro o homem da minha vida, o homem perfeito, já nem lembro mais daquele idiota. Estou saindo.

O celular toca. É ele! Disse que teve um problema na família. Teve que viajar. Mas voltou hoje e quer me ver. Vai passar pra me buscar. Que bom que eu já to pronta! Eu sabia que hoje ia encontrar com o homem da minha vida!

1 semana depois...

Toca, telefone. Toca. Toca, por favor...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Metades

Noite. Ela está sozinha na varanda. A única luz é a do computador que a deixa ligeiramente azul e a dos outros prédios lá longe. Sem nada pra fazer e vontade nenhum de dormir, joga Paciência e observa a lua surgindo por trás de um edifício, linda, branca e cheia. Pega o celular e liga. A voz masculina atende.
Ela: Oi.
Ele: Oi. Tudo bem?
Ela: É, tudo bem. Tudo normal. Sem graça.
Ele: Hum. As férias não estão boas?
Ela: Ná... Nada novo. Nada interessante. Me sinto sozinha longe dos meus amigos.
Ele: Hum. Que chato. Se eu não fosse seu ex-namorado, ia aí te visitar.
Ela: É.
(Pausa)
Ela: Sabe. Se você fosse meu ex-namorado, não seria nada meu.
Ele: Hum, não poderia ser seu amigo?
Ela: Não. Porque se a gente não tivesse namorado, nunca teríamos nos conhecido, nunca teríamos sido amigos. E o fato de sermos amigos agora não ofusca nem um pouco o principal fato de sermos ex-namorados. Como você mesmo disse: "se eu não fosse seu ex-namorado". Seremos para sempre exes. É o status que define mais. Mais do que dizer "eu namorei ele/ela", é dizer "ele/ela é meu/minha ex".
Ele: Hum. Se essa é a sua teoria... acho que sim.
Ela: Eu estou filosofando. Filosofe comigo.
Ele: Ah... Se é assim. Você tem razão; no fundo sempre seremos exes.
Ela: As coisas ganham reforço quando já não são mais.
Ele: É claro. Então, você acha que nós poderíamos ser amigos sem ser namorados? Se noc conhecêssemos em outra ocasião?
(Pausa)
Ela: Não sei. Não sei. Talvez estivéssemos destinados a ser namorados e nada mais. Se fôssemos amigos, seríamos só amigos, não amigos verdadeiros, daqueles que não nos perdemos nunca; amigos só, que você pode facilmente esquecer e não sentir falta.
(Riso dele)
Ele: Ah, é?
Ela (séria): É. Ou nos apaixonaríamos inevitavelmente, e aí já não seríamos amigos só nem amigos verdadeiros, seríamos namorados do mesmo jeito.
Ele: É, acredito bastante na sua teoria.
(Pausa. Ela olha pra lua. Já tinha subido tanto que quase não a via mais. Fez mais um movimento na Paciência do computador. Perdeu)
Ela: E o que será que acontece com exes que deixam de ser exes? O que dizer um do outro? "Esse é meu namorado" ou "foi meu namorado" ou "foi meu ex". "Esse é meu ex-ex-namorado". Esse status não existe.
Ele: Status é uma questão muito importante pra você?
Ela: É. Pros outros. Mas como eu ia dizendo... as pessoas não compreendem, eles mesmos não compreendem, ficam num limbo.
(Riso dele)
Ele: Não existe isso. Se eles voltaram, voltaram.
Ela (ignorando-o): Não são namorados nem são exes. Já foram ambos e não tem como voltarem a ser um ou outro somente. Ou ficam sempre no passado, lembrando como eram felizes como namorados e infelizes quando exes; ou criam uma nova categoria, abandonando para sempre o passado, passando uma borracha, e só pensando no futuro.
Ele: Você está complicando as coisas. Ou é ex ou não é. Ex-ex é namorado. E ponto. Não é?
(Pausa curta)
Ela: Menos com menos dá mais. Você tem razão.
Ele: Eu sei.
Ela: Nesse ponto, minha teoria tem uma rachadura. Acho que quando exes voltam a ficar juntos, sempre procuram esquecer o passado. Mas só pensa no futuro não seria uma maneira de negar o que viveram juntos antes?
Ele: Tudo é uma negação de outra coisa.
Ela: Negar o passado é dizer sim ao futuro. E negar o futuro é viver para sempre no passado. E se vivemos no passado, não vivemos. Apenas contemplamos o que já foi vivido e não pode ser mudado. Morremos!
Ele: O namoro é a negação da solidão, o solteirimos é a negação do compromisso. E assim por diante.
Ela: Por outro lado, tudo é uma afirmação de alguma coisa também. O namoro é a afirmação do compromisso, e o solteirimos a afirmaçaõ da solidão. Também é possível enxergar tudo ao contrário. Porque o oposto de um é o um do oposto. E no fim tudo acaba se completando. Se somando.
Ele: Nenhuma informação é completa; todas são metades de dois pontos de vista.
(Pausa)
Ela: Mas as metades se completam. Todos somos metades. Buscando nossas outras metades.
(Risos dele)
Ele: Metades da laranja?
Ela (séria): Não. Algo mais profundo que realmente nos faça sentir inteiros. E quando acreditamos que nossa metade está no outro, quase sempre erramos.
(Pausa curta. Ele pensa nas aulas de sociologia, mas ela volta a falar antes que ele possa compartilhar esses conhecimentos)
Ela: Porque é muito raro uma metade encontrar outra metade e ambas quererem se completar da mesma maneira.
Ele: Essa metade perfeita não existe...
(Pausa longa. Bocejos)
Ela: Como vai sua namorada?
Ele: Vai bem, obrigado. E você, já encontrou sua metade?
Ela: Não, ainda estou procurando. Mas agora vou ser menos exigente: a metade perfeita não existe, né.
Ele: É, não existe.
(Pausa)
Ela: Sabe, em algum momento nós fomos perfeitos um pro outro.
Ele: Sim, fomos. Por um momento que achávamos que ia durar pra sempre.
Ela: É, mas não durou. Acho que essas coisas tem prazo de validade, no fim das contas.
Ele: É uma boa teoria. Mas como você explicaria os felizes e duradouros relacionamentos?
(Bocejo dela)
Ela: Não explico. Hoje não. Já estou com sono. Fica pra outro dia.
Ele: Tudo bem. Já está tarde mesmo, vai dormir pra acordar bem disposta amanhã. Pegar uma praia. Encontrar uma metade dando sopa.
Ela: Hum, ótima idéia. Vou pensar no caso.
(Pausa curta para mais um bocejo dela)
Ela: Boa noite, metade - de algum morango, laranja, ideologia ou coisa que o valha.
Ele (rindo carinhosamente): Boa noite.
Ela desligou o telefone. Olhou pro céu. A lua sumiu. Olhou pros prédios. Poucas luzes ainda acesas. Olhou pro computador. "Fim de jogo" escrito na tela da Paciência. Desligou. Apagou as luzes, foi pro quarto. Dormiu.
Em seu sonho, duas metades há muito separadas se uniam, ficando imperfeitas: juntas, mas imperfeitas.
Na manhã seguinte acorda, e não se lembra de nada.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Noite de Lua

Hoje eu vi a lua surgir de trás de um prédio, linda, branca, gloriosa. Em poucos segundos iluminou a noite negra. Achei incrível. Senti como se eu fosse a única que estivesse observando o fenômeno. Tão privilegiada. Me espantou a rapidez com que aquela imensa esfera subia pelo céu, querendo chegar ao topo o mais rápido possível, para impor sua delicada e adorável presença.

Tirei uma foto. Quando vi, ela estava lá, no visor do celular. Tão linda quanto ao vivo. Mas aprisionada no buraco da rede de proteção da varanda.

Olho pro céu agora, e não vejo mais a lua. Sumiu. Escondeu-se atrás de outro prédio, bem lá no alto. Boa noite, lua. Até outro dia.