sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Há vida lá fora



O ambiente era agradável, aquecido pelas luzes âmbar, o aroma de café e as conversas amigáveis. Muito melhor do que a frieza da chuva lá fora. Entrou, pediu um café e sentou-se no único lugar vazio, no fim do balcão em frente à janela que dava para a rua. Ficou lá, esperando ser servido e olhando as luzes brilharem timidamente na noite lá fora.

Devido à forte chuva que caía, as ruas estavam vazias. Ouvia-se um carro arrastar água pelo asfalto e depois muito silêncio. E não havia passos apressados evitando as poças molhadas nas calçadas. Ele tinha quase certeza de que a cidade estava adormecida, a população refugiada no reduto de suas casas. A única vida que existia era ali, dentro daquele café abarrotado de calor humano em todos as significações possíveis.

Depois de aquecer-se com o último gole da bebida escura, pousou a xícara na superfície de madeira do balcão e voltou sua concentração para o mundo lá fora, a realidade paralela que existia além daquele refúgio de conforto e alento. Lá fora havia uma praça circular fracamente iluminada pelos postes onde desembocavam muitas ruas, e onde muitas pessoas transitavam ao longo do dia. Mas agora era noite e era tudo silêncio. A praça dormia, hibernava até a chuva fria passar.

Ele contemplava o mundo através daquela vidraça embassada. E deixava-se entorpecer pelo calor ameno, o conforto da cadeira, a conveniência de poder ficar ali por quanto tempo quisesse, sem pressa de voltar para a chuva hostil. Quase adormecia. Até que algo despertou-lhe a atenção.

Saída das sombras, atravessando a praça em direção ao café, uma figura passou, em frente à janela que ele observava. A barra do vestido preto, o som dos sapatos de salto e o cabelo esvoaçante por debaixo do guarda-chuva lhe apontaram que se tratava de uma mulher. Ela atravessou a rua vazia, parou em frente ao café por menos de um segundo e passou diante de seus olhos. Só passou.

Ele então despertou de seu devaneio. Acordou novamente para a vida. Deixou o dinheiro sobre o balcão, apanhou o casaco e saiu para as ruas molhadas. Respirou o ar frio e enfrentou a chuva que caía fraquinha em seu cabelo, ombros e levava embora todo o calor que sentira antes. Sorriu para a vida que se abria à sua frente. E andou de volta para casa.

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*Foto de minha autoria

**Não sei qual o sentido dessa história. Apenas senti vontade de escrever. Livre para quaisquer interpretações.

Um comentário:

Sam disse...

Amei!!
Dá pra sentir certinho a atmosfera do local. A chuva do lado de fora, o calor dentro do café o sono!
Muito bom!!