sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Encontro ao acaso

Teria sido uma tarde como outra qualquer: saí do estágio, entrei no ônibus, me isolei junto à uma janela com meus fones de ouvido. Longe do mundo, sozinha com meus devaneios musicais. Mas a bateria do mp3 acabou. Pensei: vou ter que arranjar outra coisa para me distrair até poder ler minha revista na barca - porque no ônibus me dá enjôo.




De sopetão senta uma senhora ao meu lado, esbarrando-se em mim. Pede desculpas, digo que não foi nada e volto a me distrair. Mas a senhora volta a falar, e percebo que conversa comigo. Ouço com atenção. Ela tem o corpo atarracado, a pele morena de muitos anos ao sol, cabelos grisalhos presos para trás. Enquanto fala sobre o trocador de ônibus que foi grosseiro com ela no outro dia, e sobre como agora só sobe nos carros com trocadores morenos, percebo que usa muito as mãos para se expressar. E as mãos são ásperas e calejadas, com unhas muito compridas, mas fortes como cascos. Mãos árduas e trabalhadoras.




Dou razão quanto à sua atitude, melhor evitar aquele trocador mesmo. Os motoristas e trocadores da linha 422 Cosme Velho - Grajaú são mesmo muito dúbios. Alguns são bem-educados comigo, sempre param para eu subir, mesmo quando estou fora do ponto. Mas já vi alguns serem muito grosseiros com pessoas idosas. Fora a velocidade em que trafegam os motoristas, já fui derrubada em algumas curvas.




De volta à minha conversa com a senhora, ela me explica que pega o 422 todos os dias, pois trabalha ali em Laranjeiras (ou já era Catete quando ela subiu? Não prestei atenção) duas vezes na semana, fazendo faxina. Me contou também que durante os outros três dias faz faxina em uma casa em Santa Tereza, muito bonita, ela garantiu. O patrão é designer, e segundo minha companheira de ônibus, fez os projetos de vários shoppings pelo Brasil afora, inclusive o de um da Barra, "aquele que tem a estátua na frente". A senhora continua seu monólogo, e em nenhum momento me atrevo a interrompê-la, no máximo concordo com movimentos de cabeça ou algumas interjeições.




Finalmente estamos chegando perto da estação das barcas, e descubro que ela descerá junto comigo. Quando saltamos do ônibus, eu poderia ter me desvencilhado facilmente e continuado meu caminho. Mas estava tão satisfeita com minha nova companhia, que segui os passos menos velozes de minha nova amiga. Ela agora me contava sobre a fila das barcas, que ontem, dia de passeata, estavam quilométricas, impossíveis. Quis saber se eu tinha pego muita fila de manhã. Disse que não, só pego a barca bem depois do horário de pico.




Minha amiga começa a falar de sua filha, de 18 anos. É uma menina muito boa, graças a Deus, ressalta. Mais tarde descubro que quer fazer Administração. Ela fala dos filhos de um dos patrões, que coincidentemente tem os mesmos nomes que eu e meu irmão. Na barca, me sinto na obrigação de falar mais sobre mim, já que aprendi tanto sobre minha companheira. Falo do meu estágio, da faculdade, da minha família, onde moro. Eu moro no Ingá, ela na Ponta D'Areia. Direções opostas.




Quando a barca chega, nos separamos. Ela vai para um lado, em direção ao shopping Bay Market. Vai comprar um presente para a filha do patrão que fez aniversário ontem. Mais cedo em nossa conversa, me confessara que gostava muito mais dos shoppings de Niterói do que os do Rio. "Minha irmão morava ali do lado do Rio Sul, mas eu nunca ia lá. As pessoas ficam te olhando diferente, te tratam diferente, como se a gente fosse roubar alguma coisa. Aqui não, nos shoppings daqui a gente pode entrar em todas as lojas e todo mundo trata a gente bem."




Por fim, a despedida. Descubro enfim seu nome: Lourdes. Digo que gostei muito de conhecê-la, e ela me diz o mesmo. Me deseja tudo de bom e sorte no trabalho. Sem a dona Lourdes, retomo meus afazeres, me embrenhando pelas ruas do Centro, cheia de energia. Que tarde boa, que dia gostoso. É tão bom conversar com alguém.

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