terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sonhos

O cheiro de gasolina imperava no ar, sobre a brisa fresca da madrugada, mascarando os hálitos de cerveja e chiclete. O som era pesado e os movimentos eram todos arrastados. A visão perdia o foco de quando em quando e a cabeça girava, girava, girava, ao mesmo tempo que ele a girava, girava, girava com um elaborado movimento de braços. Os sorrisos eram largos e as risadas longas. Os toques eram alternados, ela acariciava a camisa dele sobre o peito, e ele brincava com os cabelos trançados dela. E a conversa não terminava, emendavam um assunto no outro, e quando faltava assunto, comentavam o cheiro forte da gasolina, do caminhão que vinha abastecer o posto. Entrelaçavam os dedos, bebiam mais um gole de cerveja, os olhares se cruzavam, os lábios se encontravam.


Durante toda a noite, aquela única noite, o ritual se repetia, e a madrugada não terminava, e tudo girava, girava, girava, ela dançava, dançava e dançava, e se beijavam, beijavam, beijavam, sem ter fim, mesmo porque não tinha havido começo. Quando viram já estavam no meio de alguma coisa, que não é dia nem noite, nem 8 ou 80, nem amor nem amizade. Era só um nadinha de nada, uma coisinha dessas que acontece por acaso sem nenhum motivo e sem margem para elaboração. Um lapso. Mais nada.


E mesmo depois de horas, dias, anos, aquele lapso permaneceu como uma lembrança embrionária, de uma possibilidade não praticada, sem nunca vir a ser realizada. Quase como um sonho, daqueles que começam não sei como e são interrompidos na metade, deixando no ar a sensação de algo doce, um quase-milagre, uma pulga atrás da orelha sempre a mordiscar e reavivar aquela ideia impossível, impraticável, apenas imaginável.


E como são bons os sonhos, mesmo os sem conclusão, pois nos lembram constantemente de todas as possibilidades e de todos os milagres que a vida pode oferecer. Todos sonho é um milagre e todo beijo é uma promessa de realização de um milagre. E mesmo quando as promessas não são cumpridas, resta o doce sabor de uma recordação...

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