sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ano novo

Triiiim! Toca o telefone. Do outro lado do mundo ele atende.
- Alô?
- Feliz ano novo.
- Quem... Sofia?
- Liguei pra te desejar um feliz ano novo.
- Obrigado. Mas aqui o ano novo ainda vai começar.
- É, eu sei. Mas eu queria falar com você no horário daqui.
- Hum. Por que... por que você ligou?
- Eu disse. Pra te desejar um feliz ano novo.
- Eu sei, eu sei. Mas... tem tanto tempo que a gente não se fala.
- Oito anos. Foi uma sorte você não ter mudado de número.
- É. Puxa. Eu não sei o que dizer. Como você está?
- A mesma. Você me conhece. Eu é que não conheço mais você. Casou?
- Por que você acha que eu casei?
- Ah, sei lá. A gente parou de se falar por causa disso, não foi? Porque você ia casar. E a gente não podia continuar essa relação  distorcida e doentia. E aí eu fui pro outro lado do mundo pra garantir que a gente não ia mais se contaminar um com o outro e assim poderíamos ter vidas felizes e normais. Ou pelo menos normais. E então? Casou?
- Pois é. Casei. Mas separei. Não deu certo...
- É, eu imaginei que isso pudesse acontecer.
- Ah é?
- É. Eu também casei. Pensei que se você estava tentando algo diferente, eu devia tentar também. Aí conheci um australiano lindo e louco por mim. Casei.
- Casou?! Caramba... E aí?
- E aí que como você, também não deu certo. Acho que não nascemos pra isso.
- Bem... é algo duro pra se dizer. Se não nascemos pra nos casar como todas as pessoas normais, não estamos destinados a sermos felizes como as pessoas normais. Isso não é bom.
- Você... sempre com essa mania de querer ser normal. Nós podemos ser felizes. Só que do nosso jeito. Não como as pessoas impoem. Você é feliz?
- Eu? Bom... eu tenho um bom emprego. Moro num apartamento bom, de vista pro mar. Tenho dinheiro pra viajar. Acho que sim.
- Não. Se isso é tudo o que você tem pra dizer que é feliz, então você não é feliz.
- Não sou?
- Não! Você está tentando ser feliz do jeito deles, e nós dois sabemos que só podemos ser felizes do nosso jeito!
- E qual é esse nosso jeito?
- Bem. Vou exemplificar. Eu sou separada, trabalho num restaurante de fast-food, estou atolada de dívidas, acabei de perder meu carro e quaso perco minha casa num furacão ou seja lá como eles chamam isso aqui. Mas eu tenho amigos, vou à praia todos os dias, escrevo pequenos versos que não são lidos por ninguém e chocolate não falta na minha dispensa.
- Hum. Então isso é ser feliz pra você?
- É. Mais ou menos. Mas eu sei que ainda falta alguma coisa.
- E o que é?
- Ah. Você.
- ...
- Pensa bem. Você não é feliz, eu não sou feliz. Nós dois tentamos ser felizes como as pessoas normais e nos estrepamos. Precisamos um do outro. Precisamos provar que podemos ser felizes do nosso jeito.
- Você está dizendo que devíamos nos casar?
- Não, porque aí estaríamos sendo como eles.
- Eles, eles... ta bom, e então o que devemos fazer?
- Não sei. Só liguei pra desejar feliz ano novo. E dizer que ainda te amo.
- Bem... feliz ano novo. Eu ainda te amo. Também.
- Estou feliz agora. Mesmo a quilômetros e quilômetros de distância de você.
- É. Acho que eu também. Um feliz ano novo pra você.
- Igualmente. Até o ano que vem.
- Até... ano que vem?
- Surpresa.

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